Continuando a série de posts sobre o cinema dos anos 20 trago-vos hoje “Sunrise, a song of 2 humans” de F.W. Murnau, que em português se chama Aurora. Realizado em 1927 nos EUA com um orçamento chorudo e total liberdade criativa do realizador o filme ganhou o 1º Óscar de melhor filme em 1929. A belíssima fotografia de Karl Struss e Charles Rosher também mereceu um Óscar. O filme foi um flop comercial na época e em 1937 os negativos arderam num incêndio nos estúdios da Fox. É por isso um milagre que tenha chegado aos nossos dias recuperado e restaurado (a partir de uma cópia em acetato que existia num museu).
O enredo baseado num conto de Hermann Sudermann “Die Reise nach Tilsit” é simples: Um casal de campónios vê a sua pacatez perturbada por uma sedutora vinda da cidade que se torna amante do marido. A sedutora convence o marido a assassinar a mulher e a ir viver com ela para a cidade. Quando está prestes a matar a esposa o marido arrepende-se. Para se redimir e compensar a mulher leva-a a passear na cidade e oferece-lhe todas as coisas fascinantes da vida citadina. Claro que mais tarde a desgraça irá bater à porta….. Sob este enredo aparentemente simples o filme capta perfeitamente o contraste entre os valores e os estilos de vida citadino e do campo. E explora de forma brilhante o sentimento de culpa e o arrependimento do marido que constituem o ponto de viragem do filme. Antes imagens soturnas e naturalistas com uma iluminação romântica inspiradas nos retratos pastorais dos mestres holandeses (Vermeer e etc.), depois o movimento, a complexidade e a vida da cidade. O filme é essencialmente visual, com poucos intertítulos e uma banda sonora e efeitos sonoros discretos. É mesmo referido como um poema visual dado o lirismo das imagens e a qualidade da fotografia e da iluminação.
Do ponto de vista técnico o filme apresentava várias inovações como a utilização recorrente de exposições múltiplas, a iluminação das filmagens nocturnas e a filmagem com movimento de câmaras numa altura em tal não se fazia por razões óbvias. A cena no pântano é um disso um exemplo; uma câmara segue o personagem masculino a andar dentro de um terreno pantanoso durante a noite com uma grande lua de fundo - Tudo feito em estúdio com a câmara presa numa plataforma!