Não obstante achar plenamente louvável que investigadores portugueses de elevado mérito sejam reconhecidos internacionalmente e apareçam nas notícias cá do burgo nunca cessa de me espantar a ignorância extrema dos jornalistas que alinhavam as notícias. Infelizmente à ignorância alia-se também uma dose elevada de incompetência, pois uma breve consulta às fontes permitiria noticiar com rigor os factos.

Isto a propósito das manchetes dos jornais e reportagens que surgiram este fim-de-semana sobre a investigadora Elvira Maria Correia Fortunato do Cenimat/ i3N (o Cenimat é um centro de investigação da Universidade Nova de Lisboa (UNL) e faz parte do i3N- Instituto de nanoestruturas, nanomodelação e nanofabricação, um laboratório associado do estado criado em 2008, que inclui investigadores das universidades de Aveiro, Minho e Nova). Elvira Fortunato é directora cientifica do i3N. A investigadora é também professora associada do departamento de ciências dos materiais da UNL.

Os jornais portugueses noticiaram que a investigadora tinha ganho um "prémio" do "European Research Council"- ERC e alguns chamaram-lhe mesmo "Nobel Europeu" (será que os Nobel não são atribuídos por uma entidade europeia?... Ou os jornalistas acham que a Suécia é na Ásia?). Comecemos pelo European research council, que em bom português se chama Conselho europeu de investigação, pois claro. Não há que utilizar nomes em lingua estrangeira para este organismo da UE criado com o propósito de promover e apoiar a investigação cientifica europeia de excelência. E a noção de europeia aqui estende-se para lá das fronteiras de UE, incluindo Israel, Suiça, Turquia, Croácia, Noruega e outros países não membros da UE mas conhecidos por associados.
Ora o ERC não dá prémios, apenas concede fundos sobre a forma de bolsas e é necessário submeter uma candidatura. No caso desta investigadora ela concorreu e ganhou uma "bolsa avançada ERC", no valor de 2,25 milhões de €. Os fundos dados tem de ser utilizados na investigação (não são nenhum prémio pecuniário pessoal como alguns jornais davam a entender).

A concorrência é muita e apenas investigadores muito bons têm hipótese de conseguir estas bolsas. O ERC impõe condições restritivas para se poder concorrer razão pela qual apenas recebeu 2167 candidaturas para estas bolsas. Portugal concorreu com 20 candidaturas a maioria das quais na área de ciências e engenharia. Os países mais populosos da UE, foram os que submeteram mais candidaturas (Itália, Reino Unido, França, Alemanha, Espanha, Holanda). Os resultados oficiais ainda não foram divulgados pelo que não se sabe se é estatisticamente relevante a atribuição de uma bolsa avançada a uma investigadora portuguesa.


A equipa que a investigadora lidera já tinha sido notícia a semana passada por ter conseguido produzir transistores num suporte de papel (o artigo cientifico sai em Setembro na IEEE Electron Device Letters: High Performance Flexible Hybrid Field Effect Transistors based on Cellulose Fiber-Paper, Fortunato et al., IEEE Electron Device, September 2008 Vol.: 55, 2008). A primeira vez que se consegue tal feito a nível mundial.

É também interessante verificar que o outro português contemplado este ano com uma bolsa do ERC não foi noticia na comunicação social. José Henrique Veiga Fernandes do instituto de Medicina Molecular foi contemplado com uma bolsa do tipo "starting grant" de 1,9 milhões de € destinada a jovens investigadores doutorados de elevado mérito. Os montantes atribuídos são semelhantes aos das bolsas avançadas ERC e a concorrência é ao mesmo nível.

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