Tal como prometido o primeiro texto sobre o mosaico de filmes. Este vem mesmo a propósito e a tempo para as comemorações do 60º aniversário da derrota do regime nazi.
“The birth of nation” é uma adaptação do livro de 1905 “ The clansman” da autoria de Thomas Dixon, um padre racista. O filme tecnicamente muito sofisticado para a época contém importantes avanços artísticos e técnicos para a indústria cinematográfica*, incluindo uma cena colorida (que surge quase no final). Foi um sucesso de bilheteira na época apesar das suas 3 horas de duração e permanece um marco incontornável da história do cinema.
Na primeira parte mostra-se a introdução dos escravos negros nos EUA, a vida quotidiana dos personagens principais na fase pré-guerra civil de 1860 e a dita guerra. As personagens principais são duas famílias amigas, uma sulista, outra do norte, com as implicações que daí advém. Os membros das duas famílias defrontam-se na guerra havendo umas paixonetas à mistura. Os negros são caricaturados estereotipadamente como criaturas más ao longo de toda a primeira parte mas não é demasiado evidente o carácter racista do filme nesta parte.
A segunda parte pode ser considerada como muito mais racista mostrando os negros como selvagens vilões causadores da desgraça. Esta segunda parte mostra o que se passa no pós-guerra no seio das duas famílias e da sociedade - A reconstrução. A ascensão social dos negros e a miséria em que ficaram as famílias do sul. Mas o que interessa reter do filme não é a parte romanceada: Na segunda parte surgem os verdadeiros heróis do filme- O Ku Klux Klan- A organização que vai libertar a sociedade branca dos terríveis negros. O KKK é glorificado.
Pelo exposto fica a saber-se que se trata de um filme extremamente controverso. Na época suscitou um recrudescimento do Ku Klux Klan e dos sentimentos racistas nos EUA. Também ouve motins nalgumas cidades e 2 cenas foram mesmo censuradas.
Ao ver este filme cresce dentro de nós a dúvida. Devo eu condenar e vetar uma obra de arte se o seu conteúdo for ideologicamente condenável ou se for contrário aos meus valores? ( Para mim este foi o verdadeiro valor deste filme. Fez nascer em mim esta dúvida.)
Griffith defendeu-se das acusações de racismo com os seguintes argumentos: - O filme é a adaptação fiel de uma obra da qual ele, Griffith, não era o autor.
- Todas as pessoas tinham o direito de livre expressão e pensamento quaisquer que fossem as suas ideias. Ao tentarem censurar o conteúdo do filme estariam a cercear essa liberdade.
- E por último um irónico : “Na altura em que fiz o filme eu não era racista.”
No inicio do filme surge o seguinte intertítulo:
“A PLEA FOR THE ART OF THE MOTION PICTURE":
“We do not fear censorship, for we have no wish to offend with improprieties or obscenities, but we do demand, as a right, the liberty to show the dark side of wrong, that we may illuminate the bright side of virtue - the same liberty that is conceded to the art of the written word - that art to which we owe the Bible and the works of Shakespeare.”
Em resposta às criticas e à celeuma causada por “The birth of a nation” Griffith acabou mais tarde por realizar “Intolerância” de que falarei daqui a uns tempos.
Sobre a mensagem veiculada no filme Griffith nunca se pronunciou com clareza e permanece a dúvida: É um filme racista, um exercício de liberdade de expressão ou pretende apenas narrar factos históricos?
Incontornável é o facto de o filme continuar a suscitar debates actualmente e ainda ser utilizado pela KKK para recrutamento.
*Algumas inovações técnicas : Filmagem nocturna (usando “flashes” de magnésio); Filmagens no exterior; Still-Shots; ângulos de filmagem múltiplos, filmagem de acção em paralelo, panorâmicas, travellings, close-ups, dissolves e fade-outs para mudar de cena.